Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem
Saco dos Limões – Florianópolis – SC
CF-2018 – Fraternidade e Superação da Violência
Fraternidade e Superação da Violência
Com o objetivo geral de “Construir a fraternidade, promovendo a cultura da paz, da reconciliação e da justiça, à luz da Palavra de Deus, como caminho de superação da violência”, nesta Quarta-feira de Cinzas (14 de fevereiro) estaremos celebrando o tempo da Quaresma e a Campanha da Fraternidade-2018. O tema da Campanha da Fraternidade-2018 (CF-2018) é “Fraternidade e Superação da Violência”, com o lema: “Vós sois todos irmãos” (Mt 23,8).
O que é a Campanha da Fraternidade?
A Campanha da Fraternidade (CF) é um grande projeto de evangelização, conversão e ação social da Igreja Católica no Brasil, que, desde 1964, convida toda a sociedade brasileira a se despertar para o espírito comunitário e cristão, em busca do bem comum, a educar-se para a vida em fraternidade, e a renovar a sua consciência e a sua atitude para a responsabilidade para com todos, em especial para com os mais vulneráveis, os maios empobrecidos, os mais excluídos da sociedade.
A CF na Quaresma
O período da CF é o tempo litúrgico da Quaresma, da Quarta-feira de Cinzas ao Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor – em 2018, de 14 de fevereiro a 25 de março – para motivar a todos: fiéis católicos, cristãos das diversas tradições, religiosos das diferentes raízes culturais, gente sem adesão religiosa, pessoas de boa vontade, enfim, tantos e tantas que sonham, desejam e constroem uma sociedade justa e solidária, fraterna e sustentável, equilibrada e pacífica… A CF na Quaresma motivará ainda mais, de modo intenso e amplo, individual e coletivo, à prática espiritual da oração, do jejum, da partilha, do reencontro, da conversão, da sensibilidade… pois deverá ser um tempo precioso de graça e de bênção. Na CF-2018 se procurará refletir sobre a realidade da violência nos diversos espaços, rezar pelos que sofreram e sofrem qualquer tipo de violência e unir todas as forças sociais para a sua superação.
Porque a CF-2018?
Fraternidade e Superação da Violência é, não só, o desejo da Igreja Católica, mas o sonho de muitos cidadãos que enfrentam cotidianamente este mal: a violência. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a violência é o “uso intencional da força contra si mesmo, contra outra pessoa ou contra um grupo social”, que pode gerar danos físicos, sexuais, afetivos, psicológicos, culturais, morais… e, inclusive, levar à morte. A CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ao propor uma reflexão sobre a superação da violência nos ambientes pessoais, familiares, comunitários e sociais, como um todo, deseja que se possa: 1. anunciar a Boa-Nova da fraternidade e da paz, propondo ações concretas de conversão e de reconciliação; 2. analisar as múltiplas formas de violência, especialmente as provocadas pelo tráfico de drogas, suas causas e consequências; 3. identificar o alcance da violência, nas cidades e nos campos, propondo caminhos de diálogo, de misericórdia e de justiça; 4. valorizar a família e a escola como espaços de convivência fraterna, de educação para a paz e de testemunho do amor e do perdão; 5. identificar, acompanhar e reivindicar políticas públicas para a superação da desigualdade social e da violência; 6. estimular as comunidades cristãs, pastorais, associações religiosas e movimentos eclesiais ao compromisso com ações que levem à superação da violência; e 7. apoiar os centros de direitos humanos, comissões de justiça e paz, conselhos paritários de direitos e organizações da sociedade civil que trabalham para a superação da violência.
A violência não é novidade!
A Igreja Católica na CF-1983 já tratara sobre a violência (tema: Fraternidade e violência; lema: Fraternidade sim, violência não). Muitos outros temas de CF, ao longo desta história, refletiram sobre os riscos, os desafios e as violências contra diversas situações e grupos da sociedade: no mundo do trabalho (1978, 1991), no meio ambiente (1979, 1986), na saúde (1981, 2001, 2012), na educação (1998), na política (1996),,, Contra o menor (1987), contra o negro (1988), contra a mulher (1990, 2014), contra a juventude (1992, 2013), contra os encarcerados (1997, 2009), contra os indígenas (2002, 2007), contra os idosos (2003)… Enfim, a busca da paz, a promoção da vida e a superação da violência sempre estiveram nas diversas edições da CF desde o seu início. Entretanto, verifica-se por estatísticas alarmantes, um crescimento desproporcional da violência nas famílias, nas escolas, nas estradas, no campo, na cidade, na sociedade… A proposta da CNBB com a CF-2018 é a de se construir uma cultura de paz em vista da superação da violência. Sim! É a superação da violência, o domínio sobre a violência, a resistência à violência, o controle da violência, a denúncia das estruturas de violência, a vitória sobre a violência… que deverá ser assumida por todos!
As violências entre nós!
A superação das violências exigirá de cada fiel, cidadão e pessoa de boa vontade perceber, verificar e conhecer onde se apresentam as atitudes de violência. Algumas estatísticas apresentam-na a nível municipal, estadual, nacional e mundial, mas é preciso ver a violência que está mais próxima para assumir compromissos de superação. Alguns dados: O Brasil responde por 13% dos assassinatos do planeta, mesmo tendo 3% da população mundial. Em 2014 foram 59.627 mortes no país (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA). Em Santa Catarina foram 985 vítimas de homicídio no ano de 2017 (Secretaria de Estado da Segurança Pública). Em Florianópolis foram 150 mortes por homicídio no ano passado. Já no mês de janeiro/2018 foram 13 mortes registradas. Estes e outros dados são para conscientizar a sociedade da urgência de uma superação das violências.
Precisa-se considerar que se está envolto em múltiplas formas de violência. Tem-se a violência direta, do cotidiano, que é mais fácil de se perceber (agressão física, morte, guerra, roubo, furto, tráfico de drogas…); a violência institucional, relacionada a modelos de organização e a práticas sociais que alcançam um nível institucional e sistemático de produção, gerando exclusão social (os pobres são as maiores vítimas); e a violência cultural, na qual a sociedade não reconhece como violência atos e situações em que determinadas pessoas são agredidas (assassinatos por motivos fúteis: ciúmes, desavenças entre vizinhos, desentendimentos no trânsito, a “farra do boi”…). Neste caso há a “banalização do mal, da violência”.
Os rostos dos violentados no Brasil: 1. A população negra, indígena, dos migrantes e imigrantes – preconceito e xenofobia (158,9% mais de negros vitimados por armas de fogo do que brancos); 2. Os jovens: em 2011, de 52 mil mortos por homicídio, 52,63% foi de jovens (a maioria de negros: 71,44%, e de homens: 93,03%); 3. As mulheres: em 2013: 4.762 homicídios de mulheres (2,4 vezes mais homicídios de mulheres do que a média internacional); 4. Exploração sexual e tráfico humano: uma das formas mais violentas de exploração do ser humano (75% são mulheres e meninas – ONU); 5. Contra os trabalhadores rurais e povos tradicionais: de 2015 para 2016 foram 22% de mais assassinatos no campo, 25% de tentativas, 39% de ameaças de morte, 206% de agressões (Comissão Pastoral da Terra); 6. Violência e narcotráfico: no Brasil tem-se de 20 a 30 milhões de viciados em álcool, e 870 mil dependentes de cocaína (Secretaria Nacional Antidrogas); 7. Ineficiência do aparato judicial: os instrumentos de controle e repressão social vêm aumentando em todo o mundo; 8. Polícia e violência: a polícia também é vítima: em 2015, 358 policiais foram assassinados, sendo que 103 em serviço; 9. Violência e direito à informação: os MCS podem ocultar intencionalmente as contradições sociais ou impedir que os conflitos venham ao conhecimento geral (Há programas que fazem propaganda aberta em favor da justiça como vingança social); 10. Religião e violência: de 2011 a 2015, foram 697 denúncias de intolerância religiosa; 11. Violência no trânsito: em 2012: 41 mil mortes nas estradas do Brasil (As principais causas da violência no trânsito são evitáveis)… Outras vítimas que clamam por reconciliação, paz e misericórdia: as minorias LGBT (vítimas da intolerância sexual e de gênero); as pessoas deficientes (vítimas de preconceito e de inacessibilidade); a natureza (vítima de depredação, poluição, o descarte inconsequente do lixo); no esporte (agressividade de torcidas, liberação do álcool nos estádios, drogadição de atletas)… Enfim, pode-se elencar tantas outras formas de violência e de vitimados. O que importa, contudo, é manifestar a compaixão, a abertura e a fraternidade!
Vós sois todos irmãos!
A Palavra de Deus e o ensinamento da Igreja deverão ser o “suporte” para que a sociedade tome atitudes de superação da violência. A violência faz parte da história da humanidade, desde os primórdios, como consequência do pecado, da desobediência, da dominação da pessoa humana. Mas a fé cristã tem grandes e importantes argumentos para que se enfrente a maldade, resista-se à desigualdade, denuncie-se o sistema de discórdias e se controle a violência. Na Bíblia encontram-se fortes denúncias dos danos provocados pela violência, proibições de atos violentos e condenação de pessoas por atitudes violentas.
No Primeiro Testamento, Deus, sendo misericordioso, não se coloca ao lado da violência e estabelece caminhos para superá-la. A violência só pode ser superada pela reconciliação do homem com Deus. Para conter os atos violentos, surgem leis (Ex 20; Dt 5). Com os profetas, a reflexão sobre a violência, suas causas e seus eventuais remédios se desenvolveu. São unânimes em denunciar o uso da violência e da opressão pelo povo de Israel e pelos povos vizinhos (Is, Jr, Am, Mq, Os). Os profetas convidam a uma radical conversão, à prática da justiça e da compaixão (Am 5,24; Jr 22,3). Os Sapienciais apresentam um pensamento mais maduro sobre a superação da violência: excluem qualquer tipo de violência (Pr 3,29-32; 4,14; 13,2; 25,21). Muitas páginas da Escritura confessam que Deus é misericordioso, lento para a ira e rico de amor e bondade (Ex 34,6; Na 1,3). Enfim, a oração e a confiança em Deus são as únicas armas utilizadas pelos não violentos.
O Segundo Testamento apresenta a resposta definitiva de Deus para violência: a superação da violência. O centro do Segundo Testamento é Jesus de Nazaré que é por excelência uma pessoa não violenta. Mesmo assim, a violência permanece viva dentre os seus discípulos. Ele os reprova, advertindo que o fruto da violência será a violência (Lc 9,54-55; Mc 14,47). Jesus oferece e prega o amor aos inimigos, fundamentando esta atitude a Deus Pai (Mt 5,43-48; Lc 6,27). A fé cristã se abre para a fraternidade universal, pois todos são filhos do mesmo Pai e, portanto “todos somos irmãos!” (Gl 4,4-6). Jesus transforma a violência sofrida em amor ofertado (1Pd 2,23-24). O evento pascal revela, ao mesmo tempo, toda a crueldade da violência e a onipotência do amor. A paz definitiva brota de sua ressurreição (Jo 20,19-23). A justiça de Deus não se faz na violência, mas no amor crucificado (Mc 15,39).
A Igreja convida a promover o diálogo
Com o Magistério da Igreja, os documentos e as palavras dos líderes da Igreja, vemos a continuidade da proposta do Senhor Jesus: a promoção da paz, da tolerância, do diálogo. Por exemplo, na Pacem im Terris (João XXIII, 11/04/1963): “A violência só e sempre destrói, nada constrói…” Na Gaudium et Spes (Concílio Vaticano II, 07/12/1965): destaca a importância da educação, da comunicação e do caminho do diálogo para a superação da violência. Na mensagem do 1º Dia Mundial da Paz (Papa Paulo VI, 08/12/1967): A superação da violência se baseia em um “espírito novo”, um “novo modo de pensar o homem e seus deveres e o seu destino”. O Papa Francisco recorda que “a superação da violência passa pela fraternidade, fundamento e caminho para a paz”.
Os valores da fraternidade universal, da misericórdia, do perdão e da oração são fundamentos cristãos para dar a vitória sobre a violência. A construção da paz e da superação da violência necessitam de específica educação, com destaque para a missão da família e dos MCS. O respeito pela dignidade humana e pelos direitos humanos são pressupostos da paz; sua violação gera a violência.
Ações para a superação da violência
“Todos desejamos a paz; muitas pessoas a constroem todos os dias com pequenos gestos; muitos sofrem e suportam pacientemente a dificuldade de tantas tentativas para a construir.” (Papa Francisco, 2017)
A Quaresma e a CF-2018 exigirão das pessoas de boa vontade compromissos eficazes e eficientes na superação da violência, no âmbito pessoal, comunitário e social. Eis algumas possíveis atitudes: 1. Pessoal e familiar: A oração e a espiritualidade são condicionantes para a superação da violência: propor momentos de oração na família; estimular a cultura da tolerância, do respeito e da paz em nossa prática cotidiana e nas redes sociais; renunciar a qualquer forma de violência; ter solidariedade para com as vítimas de violência; desenvolver a capacidade do diálogo com os diferentes (raça, sexo, religião); não estimular a violência com brinquedos, filmes e livros violentos… 2. Comunidade: A prevenção é a capacidade que a sociedade tem de incluir, ampliar e universalizar os direitos e os deveres de cidadania: assumir a justiça restaurativa (uma resposta concreta à situação de violência e desestruturação social à qual as pessoas privadas de liberdade são submetidas); denunciar a predominância do modelo punitivo presente no sistema penal brasileiro, expressão de mera vingança; apoiar as obras sociais restauradoras (várias iniciativas sociais da Igreja foram sendo assumidas pela sociedade e se tornaram políticas públicas); acompanhar as pessoas e famílias em situação de conflito; utilizar os meios de formação da Igreja para aprofundar temas de superação da violência… 3. Sociedade: A consolidação das Políticas Públicas em andamento (SUS, SUAS), e o controle social exercitado pelos Conselhos Paritários de Direitos são possibilidades para o enfrentamento da violência; em qualquer instância de controle social exige-se comportamento e atitudes éticas: assumir uma missão em favor da humanidade e não da promoção pessoal; preparar-se para a participação em mecanismos de controle social conhecendo a Doutrina Social da Igreja; conhecer e divulgar o Estatuto da Criança e do Adolescente; garantir o desenvolvimento pleno e saudável durante os primeiros 1.000 dias para todas as crianças; conhecer e divulgar a Lei Maria da Penha; coibir a violência doméstica e familiar; mulheres e homens devem adotar comportamentos de colaboração nos trabalhos domésticos, dando a demonstração de igualdade e companheirismo; incentivar atitudes nas Igrejas de tolerância religiosa (oração em comum, diálogo, respeito…); ter medidas de superação da violência no trânsito: autoavaliação dos motoristas, fiscalização do trânsito e preservação das vias…
“A superação da violência pede comprometimento e ações que envolvam a sociedade civil, os membros da Igreja e os poderes constituídos a fim de que não somente os direitos humanos, mas, também, a promoção da cultura da paz sejam asseguradas pela formulação de políticas públicas emancipatórias.” (Texto-base CF-2018, n. 206)
A CF-2018, abordando a realidade das violências, provoca em cada um e em todos a serem construtores da paz e gestores de fraternidade. Em Cristo, somos todos irmãos!
Marcio Murilo Martins – Leigo
Fonte: Texto-base da CF-2018, Edições CNBB