Na Segunda-feira Santa, dia 02 de abril, alguns presbíteros da Comarca da Ilha estiveram reunidos para uma manhã de espiritualidade na bela Casa de Retiros do Morro das Pedras.
O encontro de espiritualidade foi motivado pelo Frei Edmilson Carvalho, Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagen do Saco dos Limões, que focou sua exposição à luz dos dois banquetes: Mc 6,17-29 e Jo13,1-16. Partilhamos com os internautas o texto refletidos pelos irmãos presbíteros, que presidiram a Semana Santa com suas comunidades.
Manhã de espiritualidade à luz dos dois banquetes
I – Introdução
Durante esta manhã reservada para nosso cultivo espiritual, em vista das celebrações da Semana Santa, chamo a atenção para dois banquetes: o da morte, e o banquete da vida. Eles estão presentes em toda a sagrada escritura, porém de modo mais contundente no processo da paixão, morte e ressurreição de Jesus.
Vamos nos esforçar para fazer uma experiência de fé. Ter um encontro especial com o Senhor da vida. Escolher em cada momento o Banquete da Vida. Embora o Banquete da Morte, seja atraente, o da vida é eterno.
II – O Banquete da Morte: Mc 6, 17-29
A palavra do profeta incomoda. Por isso Herodes quer calá-lo; é questionado pelas palavras de João, mas toma o partido dos grandes do palácio, do poder e não do povo. O banquete da morte é sustentado pelo tripé: ter – poder – prazer! Hoje ainda podemos identificar outro tripé: droga (estímulo), a rua (palco) e a arma (poder).
Neste banquete de morte o que foi servido não foi um alimento, mas sim foi a vida do povo expressa na cabeça do profeta João, servida num prato, como uma sobremesa ao final do banquete.
Como podemos perceber em nossa prática pastoral, ainda existem traços deste banquete de morte, que corroem e estraga o banquete da vida “desejado ardentemente” (Lc 22,15) por Jesus?
III – O Banquete da Vida: Eucaristia e serviço – um banquete completo!
Textos: Lc 22,1-38; Jo 13,1-16; 15,1-17; Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; I Cor 11,23-26
Precedida imediatamente pelo gesto do lava-pés, expressão máxima do serviço despojado, desinteressado, a eucaristia desperta em nós, o compromisso com o povo, especialmente os mais simples e colocados à margem de tudo.
É impossível celebrar o banquete da eucaristia e não ser tocado pelo gesto de partilhar… Ao sentarmos todos à mesa, ela nos ensina que somos irmãos e irmãs. Derrubando barreiras títulos, posições… torna-se sinal de unidade … Sentar-se ao redor da mesa, é tornar-se família de Deus. Uma fraternidade, onde não há diferença de raça, sexo, cor, classe social. Ao sentarmos à mesa sagrada, deixamos na soleira da porta, os nossos atributos pessoais. Só uma coisa nos identifica: somos filhos de Deus.
Ao projeto do mundo sintetizado no banquete da morte, (Mc 6,14-28), cujo resultado é a morte de João Batista, Jesus nos propõe o banquete da vida. “Dai-lhes vos mesmos de comer” (Mc 6,37). Para essa tarefa o Senhor nos convida, nos envia…
IV – Conclusão
Como presbíteros, sentimos fortemente atraídos pela dinâmica do banquete da vida. É dele que brota o misterioso chamado vocacional (façam em memória de mim). No mistério deste chamado, experimentamos que o autor do chamado também é vocacionado e a nossa vocação é resposta vocacional do próprio Deus.
Na concretização de nossa vocação presbiteral, vivida no dia a dia no serviço de animação e coordenação da pastoral, podemos, pelos compromissos assumidos (celibato, obediência e sobriedade) cair na tentação de concordar com a mídia que tantas vezes nos aponta como pessoas aprisionadas, podadas, prá não dizer impossibilitados de ser felizes. Porém, sabemos, como o Senhor nos prometeu no banquete da vida, “seremos felizes” (Jo 13,17) repetindo o seu gesto.
Não, não vivemos uma prisão! Ao contrário, a vocação presbiteral nos liberta para o AMOR! Sim, livres para amar, porque só o AMOR é eterno! Queremos um novo relacionamento com as pessoas (amor feito serviço) e com as coisas (nossa segurança é Deus). Sta Terezinha: “Se experimenta tão grande paz em ser absolutamente pobre, em não contar, mas que com Deus”. “… isso constitui a minha alegria: como não tenho nada, receberei tudo das mãos do Senhor”.
Nesta semana santa, onde celebramos de maneira mais intensa a memória do mistério do amor de Deus que se manifestou na entrega confiante de Jesus ao Pai, somos convidados a proclamar em nosso gesto simbólico-litúrgico, que é possível ser feliz, assumindo o desafio proposto pelo banquete da vida: Encontrar e ficar com o essencial! E o que é essencial? Teresa responde: “[…] o amor deu-me a chave de minha vocação. Compreendi que se a Igreja tinha corpo, […], não lhe faltaria o mais necessário, […] um coração ardente de amor […] que fazia os membros da Igreja atuarem… Compreendi que o amor abrange todas as vocações … numa palavra é eterno… então me pus a exclamar: Ó Jesus, meu amor, encontrei finalmente minha vocação, minha vocação é o amor! Sim, no coração da minha mãe a Igreja, serei o amor… Assim serei tudo… Assim se realizará o meu sonho!”.
O essencial, portanto, é o amor que se faz serviço, na prática dos que Ele conhece e escolhe (Jo 13, 18b). Ao contemplarmos o mistério da entrega de Cristo no banquete da vida (Jo 13, 1-16) observamos que Jesus vive também neste banquete sua kenosis, a renúncia a todos os seus atributos de poder. Ao repetir o seu gesto (cf Jo 13,14), fazemos uma descoberta importante: a kenosis de Cristo é um apelo para a nossa kenosis! Assim somos chamados a:
• Renunciar de livre e espontânea vontade a todos os atributos de poder e de dominação.
• Perdoar de maneira ilimitada.
• Amar até os inimigos.
• Aceitar qualquer um, sem restrição nenhuma.
Assim é o ser humano conforme Deus o imagina: um ser capaz de substituir os mecanismos de vingança e de agressividade pela fraternidade, pela solidariedade pelo amor.
Como tenho vivido tudo isto em minha vida de presbítero?
Florianópolis, 02 de abril de 2012