* Matéria publicada na Revista do Santuário da Divina Misericórdia (Curitiba-PR).
Na Bula de proclamação do jubileu extraordinário da misericórdia Misericordiae Vultus o Santo Padre expressa veementemente que Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. Tal misericórdia tornou-se viva, visível e atingiu o seu clímax em Jesus.
A caminhada de Jesus, presente no Novo Testamento, configura-se pelo anúncio e vivência da Boa Nova. Nos evangelhos encontramos a figura de Jesus vivendo trinta anos no anonimato. Já nos seus três anos de vida pública, o que mais se vê é sua acolhida aos marginalizados e a ousada tentativa de dar pleno cumprimento a verdade e a justiça a todos os povos. Nas cenas testamentárias o que Jesus mais aparece fazendo é aliviando o sofrimento e a dor do povo, conjuntamente a isso se encontra o anúncio do Reino e a denúncia do Anti-Reino. Jesus se compadece diante dos sofrimentos, cura o leproso que se aproxima, cura o servo do centurião romano, cura a sogra de Pedro, expulsa demônios, ressuscita a filha de Jairo, cura a hemorroísa, dentre outros (cf. Mt 8-9). Ele afirma “Tenho dó deste povo! São como ovelhas sem pastor” (Mc 6, 34). A prática de Jesus é norteada diretamente pelo amor e pela misericórdia, e esta, é o que caracteriza o jeito com que ele acolhia as pessoas.
A vida de Jesus sua ação e acima de tudo a mensagem que carregava foi a grande portadora de conflitos que suscitaram sua paixão e morte. É evidente que o processo no qual Jesus foi preso, condenado à morte, é reflexo da injustiça de seu tempo. O julgamento divide-se ao menos em dois momentos claros, um no sinédrio e outro na procuradoria romana. Diante das autoridades judaicas Jesus é condenado por blasfêmia (Mt 26,61). Ele é julgado diretamente por aqueles que eram defensores legítimos da religião judaica, é condenado com rigorismo por blasfêmia. Ele proporciona um novo entendimento de moral e uma nova visão religiosa dando a oportunidade de enxergar a Deus de outro prisma, ou seja, supera a mentalidade do rigorismo da lei e do rito, dando acesso a um Deus de misericórdia e amor.
Por outro lado, diante das autoridades romanas ele é condenado como agitador público. Jesus entende que pregar o Reino de Deus, lutar pela misericórdia do Pai, é lutar por uma reconciliação social, dando àqueles que estavam excluídos uma nova chance de fazerem parte da sociedade. Como só a condenação no sinédrio não é motivo de morte a corte romana o condena como agitador. Por anunciar uma fé e um Deus apartado do poder, mas unido a misericórdia, e por incidir contra opressão do homem, tanto em nome da religião, quanto de uma organização opressora, Jesus encarnado em uma situação conflitiva, é condenado à morte de cruz, como castigo pela sua opção pela misericórdia (cf. THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus Histórico: Um manual. 2.ed. São Paulo: Loyola, 2004, p. 486 -491). A paixão e morte de cruz é consequência do caminho de misericórdia optado por Jesus. Após o processo injusto de condenação Jesus é torturado pelos métodos que os romanos submetiam os condenados à morte, desnudação, flagelação e ofensa à sua dignidade.
Toda a paixão e sofrimento de Jesus, não é o fracasso da realização do Reino de Deus, mas antes apresenta a opção de um Deus cheio de amor e misericórdia que vai até as últimas consequências por amor ao ser humano. A pedagogia da aliança divina, não corresponde aos estereótipos e meios práticos da humanidade corrompida. Deus se compadece do sofrimento de seu povo, tem misericórdia, dá-se em plenitude a ação misericordiosa do Êxodo 3,7ss “Disse Iahweh: Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor por causa dos seus opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de libertá-los das mãos dos egípcios, e para fazê-los subirem daquela terra a uma terra boa e vasta, terra que emana leite e mel…”. É a misericórdia que torna a história de Deus com seu povo uma história da salvação. Por isso, a paixão de Jesus Cristo não é derrota, mas misericórdia!
Precisamos mais do que nunca, atualizar a misericórdia da paixão de Jesus, levando o amor de Deus a toda a humanidade, em todas as formas atuais de sofrimento. O Papa Francisco já nos alertou em sua Carta Apostólica Misericordia et misera que numa cultura frequentemente dominada pela tecnologia, parecem multiplicar-se as formas de tristeza e solidão em que caem as pessoas. O vazio profundo de tanta gente pode ser preenchido pela esperança que trazemos no coração e pela alegria que brota dela. Há tanta necessidade de reconhecer a alegria que se revela no coração tocado pela misericórdia. A Paixão de Jesus Cristo, revela a misericórdia de Deus e apresenta-nos um Deus de amor, apaixonado pela humanidade. Como expressa o Catecismo da Igreja Católica §2100 “O único sacrifício perfeito é o que Cristo ofereceu na cruz, em total oblação ao amor do Pai e para nossa salvação. Unindo-nos a seu sacrifício, podemos fazer de nossa vida um sacrifício a Deus”. Ide e sejais mensageiros da Misericórdia de Deus!
Frei Anderson L. R. Emanuel O. Carm
Pároco